Se você riu, é porque também se identifica.
Há pouco mais de alguns meses, minhas manhãs eram exatamente assim. E sempre que tenho uma semana mais agitada e atarefada como a que passou, a tentação de voltar a essa velha vida me importuna.
Desde criança, nunca fui uma pessoal matinal. E tá, eu sei que alguns podem dizer “é só regular o sono…” ou “é só ir dormir cedo…” — e sim, elas têm razão — mas eu passei a vida inteira acordando cinco ou seis da manhã e nunca passei a gostar de fato. Sempre tive uma inclinação maior para as noites e aguardava ansiosamente os fins de semana para trocá-la pelo dia.
Quem me acompanha há mais tempo no Instagram, já viu isso de perto. Houve uma época que eu frequentemente passava três ou quatro noites da semana trabalhando em claro, dormia trinta ou quarenta minutos de manhã para me recompor e saía para o escritório ou faculdade. Minha saúde era péssima, vivia em uma exaustão contínua, me alimentava terrivelmente mal e não conseguia manter a rotina de exercícios físicos — nem qualquer outra. Eram tantas as responsabilidades e as tarefas acumuladas que me sentia engolida pelo tempo e pela própria vida.
Hoje, quando olho para trás e me pergunto se todo esse desgaste era necessário, com a vida que levo percebo que certamente não. No entanto, não seria apenas com pequenas atitudes — como ir dormir mais cedo ou comer mais frutas — que eu seria capaz de consertar esse cenário. Acreditem, eu genuinamente me esforçava para mudar tanto quanto me consumia.
Quando pensamos em alcançar constância nas nossas ações, criar bons hábitos e atingir nossos objetivos, imediatamente nos deparamos com os problemas que nos impedem de alcançar essa idealização. E, se você realmente acreditou que eu te daria um passo a passo ou uma lista de tópicos de “como ter a rotina perfeita”, saiba que eu não acredito nesse tipo de aparência. Uma vida, quando desregulada em toda sua forma, necessita de ações interiores mais profundas, honestas e substanciais para voltar à ordem.
Assim como a maneira que usamos o tempo define quem nós somos, o inverso também é verdadeiro: nosso ser mais íntegro é quem conduz a forma que utilizamos o tempo. Isso quer dizer que, assim como as pequenas e mais superficiais atitudes podem trazer transformação, elas também precisam ser provocadas por uma postura interior intensamente profunda e honesta.
E foi exatamente isso que aconteceu comigo.
Neste um ano em que estive completamente imersa em trabalho, abandonei todas as outras áreas que faziam parte de mim. Minha vida pessoal, espiritual, minha saúde, meus estudos… iam de mal a pior. Tinha uma sensação contínua de estar perdida dentro de mim mesma, de perder o domínio de quem eu era e vivia tão cansada e sob pressão que postergava o máximo que podia pensar sobre essas consequências.
Quando cheguei ao fim do ano e me olhei naquele espelho interior da alma, já não me reconhecia. E foi a partir desse desconsolo — porque não existe sentimento pior que fracassar consigo mesmo — que decidi que este ano eu faria tudo diferente.
Para isso, a primeira coisa que coloquei em prática foi reordenar as prioridades que tomavam os meus dias e, por completo, a minha vida. Meu maior objetivo não era mais trabalhar loucamente em qualquer projeto, só para fazer uma renda extra, mas me dedicar de forma intencional e exclusiva ao que eu faço de melhor e cuidar de todas as outras áreas que havia abandonado, começando pelas mais simples: estudar, ler, treinar, comer bem, rezar. Eu queria criar raízes, voltar à vida interior e desenvolver uma fortaleza para a construção da minha personalidade.
Chegando na reta final deste ano, posso dizer que a vida que vivia, em prol de urgências, ganhar dinheiro e apenas sobreviver era muito mais fácil e confortável que a que vivo hoje — mas muito menos livre. Porque viver dessa maneira é abdicar e negligenciar a maior responsabilidade que temos em defesa daquelas mais imediatas, é adiar e dissimular o juízo interno do qual nunca poderemos fugir ao respondermos à pergunta: o que estou fazendo com a minha vida?
Quando essas questões se entranharam em mim de forma desesperadora, quase que milagrosamente minha vida mudou. A vontade de construir bons hábitos e alcançar um ideal encontrou terreno fértil para ser cultivado e os obstáculos que antes me impediam de realizar ações tão simples, como acordar cedo, perderam força.
Perderam força de sentido. Não haviam mais motivos bons o bastante para continuar na cama depois que o despertador tocasse, os encargos da vida me convocavam à ação e a maneira que eu responderia a este chamado seria a maneira que eu responderia à Deus pelo dom que Ele me concedeu. Logo, ter uma rotina e fazer a mesma coisa todos os dias ganhou um sentido extraordinário e transcendente: se tornou o único caminho possível.
Você não precisa ter fé ou uma religião para adquirir essa postura. Como o professor Olavo dizia, basta ter em vista que, em algum momento, o jogo da vida terá o seu fim e todas as nossas ações serão condensadas na forma que vivemos — e elas serão irreversíveis.
Para meditar
Denomina-se “ideal” a síntese em que se fundem, numa só forma e numa só energia, a ideia do sentido da vida e a do preço de sua realização: diz-se que um homem tem um ideal quando ele sabe em qual direção tem de ir para tornar-se aquilo que almeja, e quando está firmemente decidido a ir nessa direção.
Complexo de impulso e de esquema, o ideal atrai como um ímã e coordena como um eixo. Pela unidade de sua forma, convoca o sinergismo da vontade: a concorrência de todas as forças para a consecução da meta. Pelo seu caráter de síntese projetada para o futuro, ergue-se como um tribunal soberano e neutro para a arbitragem de todos os conflitos do presente, que ali se resolvem e superam de modo que mesmo as tendências mais antagônicas da alma possam convergir num só ímpeto ascensional.
O ideal é, por isto, condição indispensável para a coesão da personalidade, que sem ele se dispersa em aspirações fortuitas e esforços estéreis. Miragem e emblema, sua visão nos dinamiza, nos eleva e enobrece, e é sempre a lembrança do seu apelo que nos reergue após cada erro e cada desengano.