Março de 2023. Depois de quase três anos morando sozinha com uma vida agitada entre correrias de trabalho e faculdade, vim exilar-me na casa de meus pais no interior.
O motivo da mudança foi um conluio de circunstâncias — que hoje são temporárias. E as quais criaram a ocasião de uma vida silenciosa e solitária tal como uma vida monástica. Por óbvio, os monges lidam com o isolamento muito melhor que eu. Apenas procuro manter a sanidade.
Mesmo que eu já viva naturalmente de forma mais introspectiva, esse excesso de introversão pode ser desesperador. Ficar sozinho consigo mesmo por tanto tempo, com os próprios pensamentos e emoções, é um desafio que realmente: pode te levar para o Céu ou para o Inferno — como Elias, quem Deus alimentava no deserto, ou Jonas, nas entranhas do oceano.
Se antes eu vivia de um lado para o outro, trabalhando e estudando, pegando ônibus, conversando com pessoas, hoje tudo acontece sagradamente no mesmo lugar, na mesma posição. Minha rotina, que antes era dinâmica, hoje é concentrada, dedicada e imersiva: eu sento diante da minha mesa todas as manhãs e crio, produzo. Meus dias são sempre os mesmos. Vejo as mesmas coisas. Falo com as mesmas pessoas. Estou sempre em silêncio, absorta num mundo interior.
Se por um lado isso enlouquece, por outro transforma. Nunca fui tão constante, focada e perseverante. Nunca amadureci tanto interiormente como nos últimos meses em que estive sozinha.
Depois de passar tanto tempo comigo, me conheci de maneiras que nunca havia conhecido — e posso atestar, essa foi a coisa mais difícil que já fiz. Não falo de um autoconhecimento healthy mindset. Falo de uma honestidade pessoal violenta, hostil. Que te coloca diante de um reflexo, como uma terceira pessoa olhando para si e vendo de fato quem é, quem era, quem está se tornando.
Quando estamos cercados pelos ruídos externos do cotidiano, não paramos para meditar sobre os aspectos que nos compõem como indivíduos. Não temos tempo ou ambiente favorável para digerir a si mesmo. Vivemos, então, na sombra de quem somos, na expectativa de nos tornarmos a imagem idealizada embaçada que carregamos. E quando finalmente nos deparamos com o reflexo e vemos inteiramente nosso ser, nos sentimos decepcionados e frustrados.
E são esses sentimentos que enlouquecem. Ou, se você souber manobrá-los, transformam sua vida para sempre.
Pra não perder a sanidade, precisei aprender a me contentar. Me contentar com as minhas próprias capacidades e limites. Me contentar com as circunstâncias. Me contentar com meus erros e vícios. Me contentar com os desejos irrealizados. Me contentar com quem eu ainda não sou. E foi neste lugar de contentamento que descobri o tesouro da constância, da disciplina e da fortaleza — eis o segredo.
Longe de me fazer estagnar ou causar morosidade, esse hábito de consciência me instala diariamente na realidade que vivo. Consigo olhar para as minhas mãos e calcular com honestidade o que sou capaz de realizar dentro das minhas circunstâncias. E a soma dessas ações, repetidas e feitas com amor, é o caminho que tenho trilhado ao longo dos últimos meses.
Provavelmente, sua caixa de entrada está repleta de anúncios, promoções e outras newsletter’s te incentivando a viver uma vida melhor. Este texto é um convite ao caminho oposto: ao contentamento e à honestidade pessoal profunda — em um mundo de inovações e desejos delirantes por mais, mais e mais. É um lembrete às nossas limitações humanas, aos nossos espelhos embaçados, às mãos que carregam a cruz diariamente.
Para apreciar:
In the 1880s, Frederick McCubbin painted a number of interior and exterior scenes of his home, the old bakery in inner Melbourne where he was born and lived until he was in his 30s. Here, a girl sits quietly at the side of the bakery kitchen behind her house, while a bird (perhaps a magpie) pecks for insects in the rotting wooden fence.
The Munich-trained head of the National Gallery School, G.F. Folingsby, had a marked influence on McCubbin’s development, as can be seen in Girl with bird at the King Street bakery. Observations of everyday life were considered worthy of serious art, realised with smooth brushwork and reduced colour. As Ann Galbally has noted, he ‘has paid particular attention to the textures of the buildings, contrasting their tonal blend of warm browns and greys with the white areas of the girl’s pinafore’.