"Essa foi uma das piores semanas do meu ano", enviei esta mensagem para uma amiga desabafando.
Depois de casar meus melhores amigos em um sábado perfeito, a semana que se seguiu foi turbulenta. Além do caos da rotina pós-viagem, do cansaço da ressaca (eu tenho o espírito velho mesmo!) e de diversos contratempos que tornaram os dias mais pesarosos, meu trabalho me exigiu mais do que nunca. Entreguei a identidade visual do nosso primeiro filme exclusivo nos cinemas, o Milagre Vivo (se você não viu, volte aqui depois), e tenho um segundo projeto importantíssimo para finalizar nos próximos dias.
Nós sabemos que o trabalho criativo inevitavelmente nos envolve de maneira pessoal. Precisamos de uma disposição para criar maior que a mental e física, mas intelectual e poética. Porém, todas as minhas circunstâncias desses últimos dias eram completamente desfavoráveis e tive vários momentos em que me senti incapaz.
Tenho certeza que não sou a única que precisou de uma resignação interior para continuar o trabalho em um contexto adverso. Afinal, o trabalho criativo continua sendo... trabalho. E "criativo" não significa necessariamente ser "artístico", não se enganem. Como profissionais, estamos inseridos em uma engrenagem de negócios, lucros e movimentos estratégicos. Precisamos criar, independentemente do nosso estado de espírito.
Dentro desse cenário, muito se fala sobre o tão temido bloqueio criativo. Eu sei que parece polêmico, mas eu acredito nele tanto quanto acredito em fantasmas. E neste texto, quero mostrar como eu lido com esse monstrinho que se esconde debaixo do medo do fracasso e nos assombra quando as luzes se apagam.
“Criar é incômodo. Se você realmente quiser criar algo bom e novo, vai ser desagradável e desconfortável.”
Qualquer um que trabalhe com criatividade já se viu diante de um projeto ou tarefa como diante de uma tela em branco, sem saber o que fazer ou como fazer. Dependendo da complexidade e disposição, gastamos horas pensando e procurando inutilmente alguma saída para chegar ao resultado final. O deadline aperta, o chefe te cobra, e o desespero aumenta. Nesse momento, acreditamos dolorosamente que o artista que existia dentro de nós sucumbiu e nosso gênio criativo adoeceu quando mais precisamos dele.
Esse sentimento frustrante de incapacidade é o que popularmente conhecemos como bloqueio criativo. E assim como procrastinar é o termo moderno, bonito e elegante para o vício milenar da preguiça, eu acredito que os profissionais criativos estão apenas confusos e sem a direção certa de como sair desse calabouço mental. E isso não tem nada a ver com a gandaia que vendem de "espairecer", "fazer algo que goste", "se sentir confortável" e um blá blá blá de ócio artístico.
Criar é incômodo. Se você realmente quiser criar algo bom e novo, vai ser desagradável e desconfortável. Exigirá um intenso esforço intelectual e empenho mental. Não vai ser gostoso, fácil ou cômodo. Não é pra ser. Essa é a realidade que faz parte do nosso dia a dia de trabalho e quanto mais cedo nos acostumarmos a ela, menos nos afetaremos pelas suas importunações.
O que as pessoas costumam chamar de "bloqueio", na verdade:
É apenas cansaço.
Quantas vezes uma boa noite de sono e um momento de desconexão foram o suficiente pra que eu conseguisse encontrar a solução de um problema — que normalmente estava na minha frente e eu não tinha clareza o bastante para vê-lo.
Ou são inquietações de outras naturezas — sua família está numa situação difícil, seu cachorro morreu, o filho ficou doente, seu namorado te deixou etc. Estas são emoções importantes de serem mapeadas para que você tenha o mínimo de domínio sobre a sua influência no trabalho que executa. No entanto, você certamente precisará de um consolo maior que uma noite de sono.
Ou é falta de imaginação.
Sim, o maior problema que assola os profissionais criativos e a fonte de todo bloqueio essencialmente, é a imaginação.
O mundo criativo das formas e inovações é o mundo das possibilidades. Nenhuma verdade ou solução existe antes que, de forma embrionária, seja possível que exista. E o que nos permite navegar por sonhos, devaneios, ilusões, desejos, ambições, estranhezas, fantasias e aspirações até chegar à realidade permanente, é a imaginação. Nós imaginamos e julgamos possível para, assim, tornar real.
O mesmíssimo cenário se dá com o trabalho de criação. Uma mente bloqueada é uma mente infértil, sem a adubagem e o cultivo necessários para o crescimento natural das ideias. Somos incapazes de solucionar um problema porque somos incapazes de imaginá-lo. E não imaginamos porque somos carentes das inúmeras possibilidades que nos cercam.
É por isso que a busca por referências é sempre estimada — só conhecemos o que é possível à medida que nos expomos ao que está fora da nossa perspectiva. Se você vive continuamente em contato com coisas novas — boa arte, música, teatro, literatura, inovações e experiências —, exercitando o músculo imaginativo com uma atenção plena e interesse genuíno, eu garanto, o fantasma do bloqueio criativo nunca mais vai te atormentar.
“Esse é o segredo da criatividade: ela sempre floresce nos campos mais inesperados.”
Eu sei que a rotina do dia a dia nos encobre de deveres e obrigações que parecem matar o gênio criativo. Por isso, manter contato com a arte é o que vai nutrir seu trabalho em semanas turbulentas como a minha. Esse é o segredo da criatividade: ela sempre floresce nos campos mais inesperados.
"Não há percepção direta efetuada em nossa vida cotidiana que possa apresentar o caráter de uma contemplação pura: ela está muito carregada de matéria, numa relação muito imediata com nosso corpo, com o espaço e o tempo em que nascem os nossos desejos, é muito resistente e muito frágil ao mesmo tempo, cheia de ameaças e de promessas; está misturada com todas as conjecturas da nossa vida prática. Ela faz parte deste mundo temporal, no qual temos sempre algum interesse mais ou menos forte, no qual estamos sempre esperando, desejando, temendo, arriscando, defendendo-nos, e que jamais chega a ser apenas um espetáculo para nós.
[...] A arte suscita, então, em nós, uma atenção tão plena e tão dócil, que nos mostra como verdadeiramente presente uma realidade que sempre estivera diante de nós, mas que jamais tínhamos visto; obriga nossa consciência a tomar posse dela, a realizar uma percepção atual sua, que se destaca sobre todas nossas percepções habituais, sempre um pouco amortecidas ou esfaceladas, seja pela lembrança daquelas que já tivemos e que as recobrem, seja pelos signos de algum acontecimento mais longínquo que buscamos nelas e que delas nos desviam. O próprio do artista é, portanto, ser um mediador entre o real e nós."
— Arte como Revelação, Louis Lavelle
Para meditar
Me perguntaram essa semana sobre como lidar com a crise dos 20. Bem, eu ainda passo por ela. Esse vídeo possui conselhos muito valiosos e espero que seja proveitoso para você assim como foi para mim.
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Com carinho,
Anna.