Olá? — toc toc — Tem alguém aí?
As últimas semanas, os últimos meses, o último ano… foram períodos de decisões muito importantes na minha vida. E, somado ao desânimo geral de expôr qualquer coisa nas redes sociais, prefiro falar apenas com quem, em algum momento, decidiu me ouvir.
Várias — várias! — pessoas se inscreveram na minha lista de e-mail sem eu sequer divulgar ou falar algo a respeito. E, de coração, eu valorizo profundamente esse pequeno ato de gentileza e confiança: muito obrigada!
Como eu disse, eu tomei algumas das decisões mais importantes da minha vida nos últimos tempos — me mudar de casa, cidade e estado foi uma delas (a mais trabalhosa e a mais recompensadora). E como tudo o que acontece comigo precisa de uma dose de caos, os astros mais uma vez se alinharam para que todo meu planejamento se coincidisse em um intervalo de quarenta dias.
Passei algumas semanas trabalhando a cada hora em um lugar diferente, andando pra cima e pra baixo em Curitiba, visitando apartamentos entre uma reunião e outra, com o coração na mão por ter deixado minha família, cobrindo uma pessoa que deixou de fazer parte do meu time e tocando um projeto importante de identidade visual. Ufa!
Sempre que passo por esses períodos em que todos os meus esforços de equilíbrio e constância são inúteis, eu percebo o quanto são valiosos para o meu aprendizado. O quanto, conforme o tempo passa e as dificuldades vão se tornando mais estreitas, meu comportamento vai se alargando, adequando-se às novas circunstâncias e todos os desconfortos que antes me trariam angústias profundas, hoje — esses sentimentos completamente normais — encontram em mim um solo fértil e disposto ao crescimento.
Tá, eu sei. É muito fácil escrever bonito assim.
A vida lá fora não tem tanta poesia: “Olho pedra, vejo pedra mesmo”. Mas, falando de coração, depois que nossos limites de estabilidade são testados, as opções que se apresentam a nós não são muito variadas: é se tornar mais forte ou retroceder. É adquirir mais paciência — principalmente consigo mesmo — ou quebrar a cabeça sempre no mesmo lugar. É ter esperança ou tornar a vida uma sucessão de queixas.
Em meio ao caos da vida pessoal, minhas demandas de trabalho continuaram normalmente. Precisava participar de reuniões, tocar projetos, resolver problemas, liderar pessoas… em algum nível, a vida normal continuava. Se por um lado eu deveria enfrentar as instabilidades ao meu redor e não retroceder, por outro eu deveria manter certa normalidade e continuidade consideráveis. Era como equilibrar vários pratos em movimento.
Eu procuro ter uma visão sempre ancorada na realidade e, por menor e mais inferior que esses problemas que compartilhei possam ser — comparados a outras adversidades —, não são exatamente esses pequenos incômodos que ornamentam nossa forma de viver? Não nos afligimos por tão pouco? Não é essa visão embaralhada de curtos infortúnios que nos causam os maiores dramas?
Quando estamos sempre em busca de certa estabilidade, equilíbrio, segurança e invariabilidade na vida, é muito fácil acreditar que a qualquer momento tudo sairá do controle. É muito fácil se desesperar e se angustiar com qualquer passo em falso. Torna-se quase um paradoxo: quanto mais estáveis procuramos ser, mais voláteis se tornam nossos sentimentos, maiores se tornam as instabilidades aos nossos olhos — mais fracos e covardes nos tornamos.
Se tem algo que tenho aprendido e buscado viver, antes mesmo de me mudar e deixar minha família, é que a vida não tem cerca de proteção. Não existe equilíbrio, a segurança integral é uma ilusão. Estamos fadados e suscetíveis às mais diversas e criativas tribulações: viver é sempre um risco. Não há emprego que seja eterno, não há dinheiro que não acabe, não há saúde que seja inabalável, não há alegria que não seja passageira ou tristeza que dure para sempre, não há pessoa amada que seja imortal.
Eu sei que essa parece uma visão um tanto pessimista da realidade, mas ao contrário, nos ajuda a enxergá-la com mais amor. Isso porque a busca pelo estado de equilíbrio é, no fundo, a busca pela proteção individual que, ainda mais fundo, é a busca por uma proteção física, material e psíquica — tememos não apenas perder o que possuímos, mas sequer ver ou imaginar ameaças de perigo. Amedrontados por essa simples visão, nos tornamos fracos. Enfraquecendo, nos tornamos covardes o suficiente para não correr riscos por quem quer que seja — recusamos a solidariedade aos outros e nos tornamos maus, no fim das contas.
Se eu pudesse, gostaria de cravejar esses ensinamentos no meu coração. Eu, assim como qualquer pessoa, sofro destes mesmos dramas corriqueiros e modestos que adornam nosso cotidiano e nos dão, de maneira imperceptível aos menos atentos, a medida exata da nossa existência.
Para apreciar
Friedrich trabalhou durante dois anos neste, em última análise, seu trabalho mais famoso. A composição é dividida horizontalmente em terra, mar e céu com uma simplicidade clara que chocou seus contemporâneos. Um monge está parado na praia, com a cabeça descoberta. Gaivotas circulam ao seu redor. A figura solitária enfrenta a escuridão plúmbea do mar incomensuravelmente vasto. A faixa cinzenta de nuvens sobre a água dá lugar surpreendentemente ao céu azul ao longo da borda superior da imagem. Nenhuma composição artística jamais foi tão intransigente quanto esta: o espaço principal do quadro parece uma espécie de abismo; não há limites, não há nada a que se agarrar, apenas uma sensação de flutuar entre a noite e o dia, entre o desespero e a esperança. Em 1810, Heinrich von Kleist expressou em palavras, como nenhum outro, o fascínio mágico desta pintura: “Nada poderia ser mais sombrio nem mais inquietante do que ser colocado assim no mundo: o único sinal de vida na imensidão do reino da morte, o centro solitário de um círculo solitário. Com os seus dois ou três objetos misteriosos, a imagem parece um tanto apocalíptica, como os Pensamentos Noturnos de Young, e como a sua monotonia e a sua imensidão só estão contidas na própria moldura, a contemplação desta imagem dá a sensação de que as pálpebras foram cortadas.”
Para não esquecer
Quem me ensinou a ver a vida com esses olhos de coragem foi o professor Olavo de Carvalho. E sempre que fraquejo, trago à memória suas palavras:
Vou reler com calma. Encontrei muitas coisas que tenho vivido. Impressões que tenho tido no meu cotidiano e gerado angústias. Preciso de mais doses de coragem porque a covardia por vezes toma conta.